Monday, December 12, 2005




Olá!

Queremos convidar todos a participar na Festa Sem Fronteiras que terá lugar dia 18 de Dezembro, Domingo, com concentração às 15h na Praça da República e continuidade na Rua do Almada no espaço 555 a partir das 15h30.

Mais que uma festa, o objectivo deste evento é ser também um Encontro, um local de debate, de partilha de ideias e de futuras colaborações entre várias associações, grupos e indivíduos onde se encontram alguns objectivos e valores em comum.


Se conhecerem animadores de rua, músicos, etc, que queiram animar a festa, não hesitem em divulgar.

Assim como outras associações e grupos potencialmente interessados em participar.

Participem e divulguem!

"Ninguém é ilegal", SOS Racismo, Terra Viva, "Espaço Musas", GAIA e 555.

Monday, December 05, 2005

O GRANDE DESAFIO

Naquele tempo
A gente punha despreocupadamente os livros no chão
ali mesmo naquele largo - areal batidos dos caminhos passados
os mesmos trilhos de escravidões
onde hoje passa a avenida luminosamente grande
e com uma bola de meia
bem forrada de rede
bem dura de borracha roubada às borracheiras do Neves
em alegre folguedo, entremeando caambulas
... a gente fazia um desafio...
O Antoninho
Filho desse senhor Moreira da taberna
Era o capitão
E nos chamava de pé,
Agora virou doutor
(cajinjeiro como nos tempos antigos)
passa, passa que nem cumprimenta
- doutor não conhece preto da escola.
O Zeca guarda-redes
(pópilas, era cada mergulho!
Aí rapage - gritava em delírio a garotada)
Hoje joga num clube da Baixa
Já foi a Moçambique e no Congo
Dizem que ele vai ir em Lisboa
Já no vem no Musseque
Esqueceu mesmo a tia Chiminha que lhe criou de pequenino
nunca mais voltou nos bailes de Don'Ana, nunca mais
Vai no Sportingue, no Restauração
outras vezes no choupal
que tem quitatas brancas

Mas eu lembro sempre o Zeca pequenino
O nosso saudoso guarda-redes!
Tinha tambm
tinha tambm o Velhinho, o Mascote, O Kamauindo...
- Coitado do Kamauindo!
Anda lá na casa da Reclusão
(desesperado deu com duas chapadas na cara
do senhor chefe
naquele dia em que lhe prendeu e lhe disparatou a mãe);
- O Velhinho vive com a Ingrata
drama de todos os dias
A Ingrata vai nos brancos receber dinheiro
E traz pro Velhinho beber;
- E o Mascote? Que é feito do Mascote?
- Ouvi dizer que foi lá em S. Tomé como contratado.

É verdade, e o Zé?
Que é feito, que é feito?
Aquele rapaz tinha cada finta!
Hum... deixa só!
Quando ele pegava com a bola ninguém lhe agarrava
vertiginosamente até na baliza.

E o Venâncio? O meio-homem pequenino
que roubava mangas e os lápis nas carteiras?
Fraquito da fome constante
quando apanhava um pinhão chorava logo!
Agora parece que anda lixado
Lixado com doença no peito.
Nunca mais! Nunca mais!
Tempo da minha descuidada meninice, nunca mais!...
Era bom aquele tempo
era boa a vida a fugir da escola a trepar aos cajueiros
a roubar os doceiros e as quitandeiras
às caçambulas:
Atresa! Ninguém! Ninguém!
tinha sabor emocionante de aventura
as fugas aos polícias
às velhas dos quintais que pulávamos

Vamos fazer escolha, vamos fazer escolha
... e a gente fazia um desafio...

Oh, como eu gostava!
Eu gostava qualquer dia
de voltar a fazer medição com o Zeca
o guarda-redes da Baixa que não conhece mais a gente
escolhia o Velhinho, o Mascote, o Kamauindo, o Zé
o Venâncio, e o António até
e íamos fazer um desafio como antigamente!

Ah, como eu gostava...

Mas talvez um dia
quando as buganvílias alegremente florirem
quando as bimbas entoarem hinos de madrugada nos capinzais
quando a sombra das mulembeiras for mais boa
quando todos os que isoladamente padecemos
nos encontrarmos iguais como antigamente
talvez a gente ponha
as dores, as humilhações, os medos
desesperadamente no chão
no largo areal batido de caminhos passados
os mesmos trilhos de escravidões
onde passa a avenida que ao sol ardente alcatroamos
e unidos na ânsia, nas aventuras, nas esperanças
vamos então fazer um grande desafio...

Monday, November 21, 2005

Poema de Breyten Breitenbach

A pedido de várias famílias, um poema do poeta branco sul-africano anti-apartheid Breyten Breitenbach:
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A VIDA NO BURACO

abençoados os filhos de Dimbaza,
de Welcome Valley, Limehill e Stinkwater * — mortos
de doença, subalimentação, miséria —
porque apuram o campo visual do senhor,
porque todos os dias voltam do inferno,
porque limpam o reino do Bóer — do Bóer e do seu Deus — da sua mão de Deus —
porque lhes pouparam a vida,
porque ser preto e viver é um erro político
porque tu negro na terra do sangue e do desprezo e do cartão de trânsito e do nojento cão poluis a terra do Bóer

abençoados os filhos de Dimbaza,
de Welcome Valley, Limehill e Stinkwater lançados
em buracos onde as formigas vêm comer
seus negrodentados sorrisos —
porque lhes dão brinquedos e garrafas de leite vazias
para que abram contentes seus sepulcros,
brinquedos e papel prateado que estaleja ao vento,
garrafas-de-leite-seios-secos de que o vento
chupa silvos para
atrair as toupeiras
— porque é escassa a carne —
e assim possam as crianças esquecer-se
de que já estão mortas
abençoados os mortos de Dimbaza
Welcome Valley, Limehill, Stinkwater comidos
pela terra, pois vieram e foram-se
discretamente entre boca e colher
sem conspurcarem o sol
abençoadas e afortunadas e santas as toupeiras
e os vermes e as formigas
na terra da luz clara
na terra do Bóer
na terra que o Senhor lhes distribuiu
para que limpem e fertilizem o solo
e o homem possa cevar-se e florir
e cuidar sua fruta e criar o seu gado
multiplicando-se forte belo e branco em louvor do seu Deus

* Dimbaza, Welcome Valley, Limehill, Stinkwater: campos criados pelo governo da África do Sul para concentrar os negros removidos das áreas habitadas pelo branco. (N. do T.)


traduzido por lchambel[em]yahoo.com.br

Thursday, November 03, 2005

Jornal de Parede

Como resultado das reuniões realizadas, saíram os textos que estão a seguir e um jornal de parede (4 folhas em A3) que foi afixado em alguns locais da cidade do Porto.

Para os interessados em ver o jornal, imprimí-lo e afixá-lo nem qualquer sítio fica aqui o link Jornal de Parede - Nem mais uma Morte na Fronteira

Friday, October 28, 2005

Caminhada para a morte às prestações
Sonhos e cabeçadas na fortaleza Europeia

A sul de Marrocos, afastando-nos das cidades mais cosmopolitas, como Casablanca, Rabat ou Marraquesh, das zonas mais contaminadas pelo turismo de luxo europeu, ou dirigindo-nos ainda mais a Sul do deserto do Sahara, deparamo-nos com uma vida rural que em pouca coisa se distingue da forma de viver que aí se levava há uns cem anos atrás, quer no que diz respeito a técnicas agrícolas, por exemplo, quer no que diz respeito ao isolamento total ou à ignorância em relação ao que se passa no resto do mundo. Nestas zonas permanece um quotidiano no qual o contacto com a terra e com a Natureza é constante, muito afastado das tecnologias avançadas que dominam a vida no “primeiro mundo”.


Em muitas destas regiões vive-se em situações de extrema precariedade em que a única saída à morte é a fuga, a procura de um sítio melhor, menos afectado pela seca e pela fome. Existem no entanto regiões em que pobreza é principalmente financeira, uma vez que aí a Natureza oferece comida e recursos em abundância. Mas, com a constante chuvada de informação, música e lixo publicitário das grandes multinacionais que é transmitida pelos orgãos de comunicação de massa, os povos das regiões do sul de Marrocos e sub-saharianas vivem uma crescente vontade de fugir da situação em que vivem e partir para o lugar onde «prospera a abundância», onde se «vive regaladamente» e com «todos os luxos». Um lugar onde, segundo os poucos que “triunfam” e que de lá voltam, «as fontes das ruas jorram ouro» : a Europa.

Esta é a imagem criada e acreditada da Europa onde nós vivemos. A ideia de paraíso do consumo, dos shoppings, da riqueza e do poder de compra é permanentemente injectada no quotidiano destas gentes, tornando-se um dos grandes motivos que leva milhares de pessoas a largar todas as suas raízes seculares e a decidir partir em direcção a um lugar desconhecido em que existem profundas diferenças na maneira de viver e onde, pensam, poderão ter uma vida mais “digna”.

Nasce então um esforço comum, da parte de comunidades, familias e indivíduos, de sair em direcção à “terra prometida”, custe o que custar. Deparamo-nos com a situação quase banal em que uma familia de cerca de dez pessoas se sacrifica a trabalhar durante 6 anos ou mais, para que um dos seus saia da aldeia, vá em direcção ao mar Mediterrâneo – trajecto que nalguns casos chega a demorar anos! - e em seguida, se este não tiver desaparecido em pleno deserto ou nalgum desacato com as autoridades fronteiriças, arrisque uma vez mais a sua vida ao fazer o trajecto da costa africana para a costa europeia.

Nos últimos anos este trajecto pelo Mediterrâneo tem sido feito de todas as maneiras imagináveis. A mais comum, no entanto, é a travessia ser feita em “pateras”, embarcações muito leves feitas de madeira ou de pneumaticos e fibra de vidro com um motor adaptado, em que o número de pessoas transportadas é sempre muito superior ao que sería recomendável. A única pessoa que normalmente leva colete salva-vidas é um homem que faz habitualmente o percurso, guia o barco e, depois de desembarcar os imigrantes na costa, encarrega-se de afundar o barco de maneira a escondê-lo da policia, servindo por isso cada “patera” para uma só viagem. Durante a viagem existem inúmeros perigos, sendo um dos mais comuns as correntes fortes do Mediterrâneo ou tempestades que fazem com que a embarcação se vire e as pessoas, muitas delas sem saber nadar, fiquem perdidas durante dias ou morram em alto mar. Também acontece muitas vezes a guarda costeira tentar reter o barco a uns kilometros da costa, o que faz com que os tripulantes prefiram muitas vezes atirar-se à água tentando desesperadamente chegar à costa a nado, a ser apanhadas pela policia e deportadas de volta para o seu país de origem. Nas ilhas Canárias acontece quase diariamente chegarem à costa cadáveres de imigrantes afogados nesta tentativa de fugir à pobreza e à morte, dando tudo por tudo para chegar a Espanha, porta de entrada da Europa. Há um número oficial, que calcula que entre 1993 e 2005 se tenham registado cerca de 6336 mortos neste trajecto.


Uma vez em terra, os imigrantes estão completamente abandonados à sua sorte.

Os que sobrevivem, vêm-se imediatamente obrigados a iniciar todo um longo percurso de fuga às forças de segurança europeias. Com muita sorte encontram algum dos grupos solidários que há já alguns anos tratam de prestar apoio aos imigrantes que chegam à Europa de mãos vazias, dando-lhes abrigo ou ajuda médica. Mas o que mais prospera são, sem dúvida, as redes de mafias – algumas vezes constituidas por marroquinos já com documentação europeia – que fazem um autêntico comércio humano, levando os imigrantes para campos de trabalho onde vivem como escravos, sob a promessa da tal “europa de sonho”.

Muitas destas pessoas chegam à Europa sem saber uma palavra de espanhol, sem noção nenhuma do modo de vida deste lado do Mediterrâneo, apenas com a crença de que aqui deste lado vão ter uma vida melhor. Mas a verdade é bem mais dura: o mercado de trabalho não os trata como iguais, sem documentação é cada vez mais dificil conseguir um trabalho, conseguindo-o será um trabalho em que a exploração será extrema, os níveis de segurança serão inexistentes, o respeito pela sua pessoa será nulo, a certeza de ter ordenado ao fim do mês será sempre uma incógnita.

O “sonho europeu” rapidamente se transforma num enorme pesadelo, numa permanente fuga à vigilância cada vez mais apertada que a Europa criou. A paranoia tem-se vindo a estender cada vez mais: o control de documentação não é feito apenas nas fronteiras, em muitas zonas da Europa já se tornou banal isso acontecer nos transportes públicos, nas ruas, nos locais de trabalho ou numa qualquer situação do quotidiano. Os governos europeus e os media fazem autênticas campanhas que têm como objectivo fazer acreditar que a causa do aumento da insegurança ou da instabilidade laboral tem a ver com a chegada de imigrantes ilegais à Europa. Os imigrantes por sua vez, ao chegar ao Velho Continente deparam-se com uma crescente falta de apoio e de solidariedade da parte da população. Com o aumento do medo e da desconfiança, aumentam também os comportamentos e as atitudes racistas e xenófobas, o que acaba por legitimar leis de imigração racistas, deportações massivas, um control social cada vez mais forte e cada vez mais repressão às tentativas de entrada na Fortaleza Europa. Esta é a Europa “democrática” e “aberta” em que realmente vivemos.

O que é que distingue o fluxo migratório existente agora entre a Africa e a Europa do fluxo migratório que houve à uns anos entre Portugal e França, por exemplo?

Porque é que se culpabilizam os imigrantes da falta de trabalho quando são os governos Europeus – incluindo Portugal - que estão a enviar a sua industria para países como Marrocos, China ou Roménia?

Porque é que os muros da Europa estão cada vez mais altos quando se fala em criar uma “Europa aberta”?

Porque é que as fronteiras estão completamente abertas ao capital e fechadas às pessoas, mesmo dentro da própria Europa?
A nossa terra não é um lugar
é gente


No dia 5 de Outubro de 2005, mais de mil imigrantes sub-saharianos foram deportados pelas autoridades marroquinas para pleno deserto do Sahara. Esta era a resposta do Estado marroquino, com a plena conivência espanhola, às tentativas da passagem do muro que separa África da Europa, em Melilla (cidade espanhola no Norte de Africa), empreendidas nessa mesma semana por um grande número de imigrantes à procura de trabalho e de escaparem à fome e à morte nas regiões depauperadas de onde provinham.

A 9 de Outubro contavam-se já 24 mortos por inanição. A estes mortos somavam-se seis pessoas abatidas a tiro pelas forças de segurança marroquinas no dia anterior em Nador, quando tentavam passar a barreira de arame farpado. Toda esta situação, segundo uma denúncia da “SOS Racismo”, havia começado a agravar-se no próprio dia em que se realizou em Melilla a recente Cimeira Hispano-Marroquina, a 29 de Setembro. Aí ficou decidido que a parte mais brutal da defesa da fortaleza Europa ficava a cargo das forças de ordem marroquinas. Desta maneira a Europa e em particular o governo de Zapatero não sujariam as mãos de sangue.

Para os sobreviventes o destino não era muito melhor. Decorreram deportações massivas em direcção à morte. De autocarro, levaram as pessoas, de Ceuta e sobretudo de Melilla, para uma zona despovoada do deserto do Sahara - uma zona inóspita e praticamente despojada dos elementos básicos para a sobrevivência -, próxima da fronteira argelina, no Sul de Marrocos, sem água nem alimentos.

Estas deportações já se tinham verificado – ainda segundo a “SOS Racismo” – a 3 de Outubro, com cerca de 60 imigrantes a serem deixados no deserto, às portas da fronteira de Marrocos com a Mauritânia. Na sequência destes acontecimentos várias acções de repúdio e protesto surgiram por parte de organizações humanitárias de apoio a emigrantes e da própria sociedade civil. Em simultâneo, os estados europeus, nomeadamente a “espanha socialista”, elogiavam a reacção marroquina a este fluxo migratório. Os mass media, por sua vez, cumpriam o seu papel de sempre, ao ajudar a justificar o injustificável aos olhos de uma sociedade civil cada vez mais embrutecida pelo cruel espectáculo mediático.

Durante o trajecto feito através do deserto por centenas de pessoas ao longo de dois anos em direcção à tão desejada Europa as mortes foram e são incontáveis. Incontáveis são também as mortes de todos aqueles que, ao tentar chegar ao lado de cá fazendo uso de pequenas embarcações que vêm à deriva pelo estreito de Gibraltar ou pelo oceano atlântico, perecem de fome e sede ou se lançam ao mar num último sufoco, num ultimo impulso de chegar a terra e são sugados pelo mar. Tudo isto se passa sob o típico olhar de desprezo e arrogância dos governos europeus, com as suas leis cada vez mais racistas, onde é cada vez mais banal a ideia de que o valor da vida de uma pessoa depende dos seus papeis, do dinheiro que tem e do seu país de origem. Esta atitude está patente no crescimento dos muros, cada vez mais altos, da Fortaleza Europa.

Nós, cidadãos do mundo indignados pelo facto de se poder considerar uma pessoa “ilegal”, queremos tentar ir um pouco mais longe do que a luta institucional, atacando a raíz do problema, no sentido de termos presente que há que abolir totalmente as fronteiras, geograficamente e dentro das nossas cabeças, para que comecem a existir mudanças reais no nosso quotidiano: para que seja eliminado o racismo, a precariedade e a miséria diária de qualquer ser humano que deseje viver em qualquer parte do mundo. tod@s somos emigrantes, tod@s somos ilegais!

Porto, 29 de Outubro de 2005
“Ninguém É Ilegal”