Friday, October 28, 2005

A nossa terra não é um lugar
é gente


No dia 5 de Outubro de 2005, mais de mil imigrantes sub-saharianos foram deportados pelas autoridades marroquinas para pleno deserto do Sahara. Esta era a resposta do Estado marroquino, com a plena conivência espanhola, às tentativas da passagem do muro que separa África da Europa, em Melilla (cidade espanhola no Norte de Africa), empreendidas nessa mesma semana por um grande número de imigrantes à procura de trabalho e de escaparem à fome e à morte nas regiões depauperadas de onde provinham.

A 9 de Outubro contavam-se já 24 mortos por inanição. A estes mortos somavam-se seis pessoas abatidas a tiro pelas forças de segurança marroquinas no dia anterior em Nador, quando tentavam passar a barreira de arame farpado. Toda esta situação, segundo uma denúncia da “SOS Racismo”, havia começado a agravar-se no próprio dia em que se realizou em Melilla a recente Cimeira Hispano-Marroquina, a 29 de Setembro. Aí ficou decidido que a parte mais brutal da defesa da fortaleza Europa ficava a cargo das forças de ordem marroquinas. Desta maneira a Europa e em particular o governo de Zapatero não sujariam as mãos de sangue.

Para os sobreviventes o destino não era muito melhor. Decorreram deportações massivas em direcção à morte. De autocarro, levaram as pessoas, de Ceuta e sobretudo de Melilla, para uma zona despovoada do deserto do Sahara - uma zona inóspita e praticamente despojada dos elementos básicos para a sobrevivência -, próxima da fronteira argelina, no Sul de Marrocos, sem água nem alimentos.

Estas deportações já se tinham verificado – ainda segundo a “SOS Racismo” – a 3 de Outubro, com cerca de 60 imigrantes a serem deixados no deserto, às portas da fronteira de Marrocos com a Mauritânia. Na sequência destes acontecimentos várias acções de repúdio e protesto surgiram por parte de organizações humanitárias de apoio a emigrantes e da própria sociedade civil. Em simultâneo, os estados europeus, nomeadamente a “espanha socialista”, elogiavam a reacção marroquina a este fluxo migratório. Os mass media, por sua vez, cumpriam o seu papel de sempre, ao ajudar a justificar o injustificável aos olhos de uma sociedade civil cada vez mais embrutecida pelo cruel espectáculo mediático.

Durante o trajecto feito através do deserto por centenas de pessoas ao longo de dois anos em direcção à tão desejada Europa as mortes foram e são incontáveis. Incontáveis são também as mortes de todos aqueles que, ao tentar chegar ao lado de cá fazendo uso de pequenas embarcações que vêm à deriva pelo estreito de Gibraltar ou pelo oceano atlântico, perecem de fome e sede ou se lançam ao mar num último sufoco, num ultimo impulso de chegar a terra e são sugados pelo mar. Tudo isto se passa sob o típico olhar de desprezo e arrogância dos governos europeus, com as suas leis cada vez mais racistas, onde é cada vez mais banal a ideia de que o valor da vida de uma pessoa depende dos seus papeis, do dinheiro que tem e do seu país de origem. Esta atitude está patente no crescimento dos muros, cada vez mais altos, da Fortaleza Europa.

Nós, cidadãos do mundo indignados pelo facto de se poder considerar uma pessoa “ilegal”, queremos tentar ir um pouco mais longe do que a luta institucional, atacando a raíz do problema, no sentido de termos presente que há que abolir totalmente as fronteiras, geograficamente e dentro das nossas cabeças, para que comecem a existir mudanças reais no nosso quotidiano: para que seja eliminado o racismo, a precariedade e a miséria diária de qualquer ser humano que deseje viver em qualquer parte do mundo. tod@s somos emigrantes, tod@s somos ilegais!

Porto, 29 de Outubro de 2005
“Ninguém É Ilegal”

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